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Os limites da discricionariedade do juiz na apuração de violação a trade dress

Ricardo Zamariola rza@luc.adv.br

Daniela Dias Silva  dds@luc.adv.br

Sabe-se que o trade dress, conhecido em português por “conjunto-imagem”, é a reunião de elementos gráfico-visuais que compõem um produto – incluindo suas cores, tamanhos, sons, textos e rótulos, dentre outras características. Trata-se de um ativo valioso do fabricante ou fornecedor, pois permite que se possa facilmente distinguir um produto específico dos demais circulantes no mercado.

Justamente por isso, comumente o trade dress  é alvo de imitação por concorrentes que, de maneira desleal, procuram confundir o consumidor, associando aos seus próprios produtos um conjunto-imagem semelhante a outro já consagrado por fabricante ou fornecedor diverso.

Casos envolvendo conflito de trade dress  têm proliferado. O que se nota, porém, é que, não raro, essas disputas são decididas pelo Judiciário a partir de análises pouco profundas, no âmbito das quais o juiz, com fundamento no princípio do livre convencimento, limita-se a colocar as embalagens dos produtos envolvidos lado a lado, comparando-as e chegando a uma conclusão com base apenas em seu próprio senso comum.

Essa forma de proceder, no entanto, parece-nos estar longe de ser a mais adequada.

Com efeito, para que se apure eventual violação a trade dress, inicialmente faz-se necessária a verificação da aptidão dos conjuntos-imagem em disputa para receberem proteção legal. Nesse passo, tem-se considerado que um trade dress somente merecerá a proteção da lei se apresentar as seguintes características: (i) distintividade; (ii) não funcionalidade; e (iii) impossibilidade de confusão por parte do consumidor.

 

Ocorre que a aferição da presença ou não dessas características usualmente depende de conhecimentos que o juiz não possui.

Casos envolvendo conflito de trade dress têm proliferado. O que se nota, porém, é que, não raro, essas disputas são decididas pelo Judiciário a partir de análises pouco profundas, no âmbito das quais o juiz, com fundamento no princípio do livre convencimento, limita-se a colocar as embalagens dos produtos envolvidos lado a lado, comparando-as e chegando a uma conclusão com base apenas em seu próprio senso comum.

Tome-se como exemplo, de início, a distintividade, que é aptidão do conjunto-imagem para individualizar o respectivo produto, dentre os outros tantos de mesma natureza à disposição do consumidor. Um determinado conjunto-imagem pode não ser distintivo se, no setor de mercado específico daquele determinado produto, as suas respectivas cores, ou as figuras nele presentes, por exemplo, já forem de uso corrente.

Logo se vê, então, que a análise da presença da distintividade, dentre outros fatores, requer estudo que não apenas vai além da mera comparação dos conjuntos-imagem, como também depende inclusive da definição de quais produtos podem ou não ser considerados como pertencentes a uma mesma categoria de mercado.

Tão ou mais complexa é a verificação da questão relacionada à não funcionalidade. Um conjunto-imagem é considerado funcional, grosso modo, quando seus elementos são indispensáveis ao uso do produto pelo consumidor, ou quando afetam de forma muito significativa o seu custo de produção. Nesses casos, conferir proteção ao conjunto-imagem, e, portanto, dar ao fabricante a prerrogativa de exclusividade sobre ele, produziria grave efeito inibitório da concorrência, em prejuízo ao mercado e a toda a sociedade. Daí a exigência de que o trade dress, para que mereça proteção, não seja funcional.

Ora, parece-nos fora de dúvida que a verificação da funcionalidade ou não de um determinado conjunto-imagem depende de conhecimento técnico do qual o juiz é desprovido, muito especialmente em disputas que envolvem produtos mais sofisticados.

Já no que diz respeito à possibilidade de confusão por parte do consumidor, também não se cuida de verificação simples. Basta ver que, dependendo do grau de sofisticação de um produto e de seu público-alvo, ou da sua forma de comercialização, a possibilidade de que um conjunto-imagem semelhante a outro induza o consumidor a erro pode se reduzir drasticamente. Artigos de luxo, por exemplo, são voltados a um público muito específico, que via de regra já tem as suas preferências de marca e conhece a fundo as qualidades do produto que adquire. Nesses casos, é diminuta a possibilidade de confusão, tanto quanto é diminuta, por exemplo, nas hipóteses de produtos que usualmente são comercializados em gôndolas de supermercado e nelas separados em seções, cada qual destinada a uma marca específica. 

 

Não é então difícil perceber que a verificação da possibilidade de confusão também pode demandar estudo mercadológico que identifique o perfil do grupo de consumidores de determinado produto, ou que esclareça características peculiares de sua forma de comercialização.

 

O conflito de conjuntos-imagem, enfim, é questão fática cuja elucidação depende de conhecimentos técnicos, sendo no mais das vezes absolutamente indispensável a realização de prova pericial destinada ao seu esclarecimento. Equivocam-se, por tudo isso, as decisões que resolvem disputas dessa natureza por meio de simples comparação visual dos produtos envolvidos.

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